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Pelas Américas.

 Toronto, Cidade do México, Guadalajara e Miami são tão diferentes em si que mereceriam um artigo único para cada uma delas mas tudo têm um fio condutor e os contrastes entre elas são enriquecedores e essenciais para uma pequena visão daquilo que é a América do Norte.

 Será uma das minhas mais perigosas descrições, já que atendendo à quantidade de conhecidos que lá passaram

 Se o Canadá é a Suíça da América do Norte, Toronto será a Genebra da América do Norte e poucas são as cidades que aguentam uma comparação com as cidades suíças.
 Toronto aparentemente é chata e algo cinzenta, com poucos edifícios marcantes, não têm bairros característicos, não têm zonas boémias descontraídas e com um sentimento artístico como agora está na moda e isso agrada-me e fica sempre aquela sensação que estamos a ver uma imitação dos EUA e isso torna a descoberta ainda mais enriquecedora.
 Os companheiros de avião que levantaram comigo em Ponta Delgada não deixavam muitas dúvidas que Toronto é uma cidade de forte emigração. Todas as histórias rodavam à volta de um familiar que lá vivia ou do tempo que já estava no Canadá a trabalhar fazendo-me sentir um verdadeiro deslocado no meio de ocidentais e isso viria-se a refletir no que encontraria mais tarde e que é uma das maiores marcas desta cidade, os seus bairros de emigração. Atravessando a Dundas é possível passar pelo Little China, Little Korea, Little Ethiopia e chegar ao Little Portugal, onde o Galo de Barcelos assinala que ali se fala português, se come português e se bebe português e uma zona da cidade onde se pode ver a jornada do campeonato. Mas como em quase todas as cidades de emigração, no seu centro financeiro rareiam os habitantes de todos estes "Little". Mas não apenas de trabalho é feita esta cidade, e ainda bem e ao estilo suíço, Toronto têm todos os predicados para se poder distrair e usufruir de quase todos os prazeres da vida. 
 Desde os seus bons restaurantes até aos seus bares, passando pelas suas salas de espetáculos, museus e recintos desportivos, Toronto sempre respondeu com superior qualidade a todas as solicitações que lhe foram feitas e provou mais uma vez que a boa qualidade de vida da população produz sempre boas coisas, bons lugares, bons pratos, bons copos e bons ambientes e nada mais me apraz que ver um bom restaurante que têm os habitantes da sua cidade como principal clientela.
 Apesar de nos dias que correm isso cada vez mais ser uma temática tabu  na forma como se publicita os destinos, Toronto não se apresenta espalhafatosa mas a cidade oferece quase tudo aquilo que se pode pedir e não cai na "típicação" da sua oferta, dito por outras palavras. não se vê locais a anunciar o quão típicos são mas tudo o que oferecem é de origem canadiana e apresenta uma dinâmica veloz e concreta mas sem gritos e histeria.
O melhor exemplo da dinâmica desta cidade reside na sua equipa de rugby, que se tornou na primeira equipa profissional mundial a integrar uma liga transcontinental, neste caso a inglesa. Outros locais venderiam este facto como uma prova do seu cosmopolitismo, mas Toronto manteve-o discreto e isso agrada-me.

 Saído da discreta Toronto, chegava a um dos pratos fortes desta viagem: Cidade do México.

Como tudo o que é grande e imponentes os sentimentos perante ela são sempre díspares e quase sempre extremados e criam-se lendas e mitos e neste caso  não foi diferente: uns morrem de curiosidade outros morrem de medo das suas ruas. Eu simplesmente fiquei a adorar!

 Não escondo que temia várias coisas como o crime, os gangues, as extorsões, o caos, a  qualidade das suas infraestruturas mas os mitos foram sendo desfeitos dia após dia. Claro que uma cidade de quase 30 milhões de habitantes têm as suas zonas más, nem todos podemos morar em Tóquio, e elas aqui existem. Claro que aos meus olhos é sempre chocante ter uma papelaria guardada por um segurança de caçadeira ou um minimercado a ser guardado por um senhor e a sua AK-47, perceber que o polícia a quem pedimos indicações têm um sistema de gorjetas para os toxicodependentes do bairro para servirem como informadores do que se está a passar naquela zona e não causarem problemas ou o exército de vendedores de ferro-velho que correm as ruas a carregarem os frigoríficos que já ninguém quer, mas depois existe o resto e tal como tudo o que é imponente, todo o resto que é  bom é muito bom.

 "Estar em Polanco é como estar em Paris",alguém me disse e na minha ignorância pensava que era exagero mas depois de ter visitado a zona mais nobre da cidade fiquei com a sensação que esta afirmação poderia ser ligeiramente exacerbada. As suas moradias estilizadas e arquiteturais poderiam figurar noutra qualquer cidade do Golfo Pérsico, podemos também encontrar bons exemplares no bairro de Las lomas,  as senhoras que passeiam pelas suas ruas sabem qual é a moda atual e os bons restaurantes polvilham os prédios e aqui terei que fazer menção ao Pujol, um verdadeiro ícone da cozinha tradicional mexicana que nada têm a haver com as quesadillas ou o pozole.

 Mas a Cidade do México não é apenas Polanco, também é Zócalo. 

 Constituído pela Praça da Constituição, pela Catedral Metropolitana, pelo Palácio Nacional e pelo Templo Mayor, Zócalo é o postal favorito da Cidade do México e aquele que mais turistas atrai. Terei de usar de sinceridade e afirmar que como habitual o que mais me  impressionou é a bandeira do país no centro da praça!  Andando uns metros deparamo-nos com a Torre Latino Americana, a resposta mexicana ao  Empire State Building, e o belo Museu das Belas Artes e rapidamente estamos no estilizado edifício da Lotaria Nacional, uma verdadeira instituição mexicana.
Apanhando o sempre ocupado Metro subterrâneo chegamos à Basílica da Nossa Senhora de Guadalupe, um dos locais de maior peregrinação no México, o equivalente do Santuário de Fátima, e aí entramos num outro país, numa outra realidade, o México profundo. Neste local de oração as caras são diferentes, as pessoas têm semblantes menos europeus e mais indígenas, já existem grupos de mariachis nos restaurantes, venda de figuras da santa é endémica, o papel higiénico em muitos WC paga-se e em todo o lado existe um nano-negócio de venda de itens para adoração à santa e diversos museus referentes às visitas papais a este local.
 Falar da Cidade do México e não falar em museus é como ir a Roma e não ver o Papa. Dos inúmeros museus da cidade teria de destacar o Museu Soumaya e o seu design espacial, o Castelo de Chapultepec e o Museu Nacional de Antropologia, este último é um combinado de riqueza em termos de material exposto e edifício de exposição.

 Mas o ponto alto desta cidade e desta viagem estava reservado para Ele!
 
 Depois de ter andado quase 90 minutos de transportes públicos entre táxi, metro e comboio de superfície tinha à minha frente o Estádio Azeteca!

 O relvado que viu Diego Armando Maradona mostrar a mão de Deus e deixar metade da equipa inglesa no chão numa tarde de Junho estava a poucos metros de distância e isso deixou-me com aquela infantil sensação de ânsia e de expectativa, aquela infantil sensação que alimenta as nossas loucuras e que me fazia ali estar. Depois do habitual tour pelos acessos, museu, balneários chegava a subida ao relvado e quando se descortinou a baliza que assistiu aqueles 2 golos, toda a comitiva fez um silêncio tumular a olhar fixamente para aqueles 3 pedaços de ferro: Se dúvidas tinha que um jogador de futebol com uma bola nos pés podia ser bem mais que um jogador de futebol ali deixei de as ter!
 Admito que quando olhava para ela, corria em paralelo na minha cabeça as imagens desses golos e podia jurar que o estava a ver ali a receber o passe de Burruchaga, podia também dizer que Maradona também ganhou o Mundial de 86 e que Pelé também ali ganhou o Mundial de 70 e que a mais difícil maratona de sempre dos Jogos Olímpicos também acabou naquele estádio mas isso é superlativo!

Saído da Cidade do México, fui até à menos conhecida Guadalajara.

 Guadalajara considera-se o verdadeiro México. É deste estado, Jalisco, que saíram os grupos mariachis, a tequila, e onde a devoção a Guadalupe é maior e de onde saíram as leis que eliminaram a escravatura no México.Guadalajara também é uma cidade que aposta forte na sua industrialização e na inovação das suas empresas e que contraria a natural predominância da Cidade do México nestes domínios, um bom exemplo para os habituais contestatários do centralismo de Lisboa,
 Guadalajara dispõe do centro de exposição mais importante da América Latina, investiu na localização de diversas fábricas na sua área, a cerveja Corona é um desses exemplos, investiu na expansão da sua universidade e do seu aeroporto e a abertura de rotas aéreas para os principais destinos de negócios e hoje esses investimentos deram frutos: é considerada à 3 anos consecutivos como a cidade de maior potencial de crescimento em todo o continente americano!
 Mas não só de negócios é feita Guadalajara.
 O seu estádio, que já acolheu os jogos Pan-Americanos é um tratado em termos de inserção com o meio-ambiente, as ruas estão repletas de pormenores artísticos nas suas construções, a comida é exemplar e a boémia é uma constante. No seu centro  a Catedral e o Teatro são os edifícios mais proeminentes mas aquele que acaba por ser mais carismático é o seu hospício.
 Guadalajara encerra tudo aquilo que consideramos ser o México e isso faz dela um local a visitar.

E depois de Guadalajara, Miami.

A cidade em que iria passar menos dias era aquela  que mais ocupou as mentes dos mais próximos e a minha também.

 Miami é Miami Vice, é Ferrari branco, palmeiras ao longo da rua, blazer branco, pessoas excêntricas, calor, água, barcos, boas casas, prédios altos, iates, bons bairros, bairros de emigração, milionários ,Rolls Royce, Ocean Drive, Art Deco e jovens a andar de patins e para minha surpresa tudo isso era verdade.
 Miami pode ser tudo aquilo que eu descrevi mas também é arte e não é por acaso que a Feira de Arte de Basileia, atualmente a mais importante do mundo, abriu aqui uma das suas sucursais e todos os seus grandes edifícios têm um toque de originalidade e alguma excentricidade e apesar de não ser das mais caras cidades dos EUA é nela que estão localizados os metros quadrados mais caros dos EUA e não existe uma sensação de "parque de diversões para milionários" como em algumas zonas de Londres mas também não existe uma sensação dos muito ricos e dos muitos pobres mas como todas as metrópoles têm os seus altos e baixos, aqueles que ficam fora das zonas boas e que vivem nos bairros de lata junto aos riachos menos nobres e que de repente aparecem nas zonas das lojas de grandes marcas e destoam de todo aquele mundo de refinamento e elevação que a cidade exala em muitas das suas áreas. Não será de estranhar que nas estações de autocarro apenas se deslumbrem afroamericanos e hispânicos já que toda a cidade vive para o carro e os transportes públicos são como os gambuzinos: se contarem que viram um ninguém acredita.
  Sendo um local quase tropical, não é de estranhar que as pessoas tenham tão bom aspeto, não havendo uma proliferação de obesos como estamos habituados a imaginar o americano típico. Existem pessoas que saem dos edifícios de escritórios no seu horário de almoço e lançam-se na sua corrida diária pelas marginais ou aqueles que aproveitam os ginásios 24/7 ao ar livre e pelas ruas as opções de comida saudável pulpitam a cada virar da esquina.
 E o que fica desta cidade? A imagem dos prédios à noite na linha do horizonte enquanto saímos de uma das suas ilhas e aceleramos no Mustang!
 No avião de regresso enquanto a via lá em baixo, algo me dizia que isto não era um "adeus" mas um "até já".

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