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O Quirguizistão é já ali...

As mãos de um homem contam a história da sua vida e as mãos dos passageiros do voo para Bishkek contam a vida difícil que têm em Moscovo.
A salva de palmas que foi ouvida no avião quando aterrei é demonstrativa da ânsia da chegada ao país natal, tendo visto muitas pessoas, minutos antes da chegada, pentearem-se, vestirem uma camisa e a darem brilho aos sapatos. Não me ri desta situação porque há muito pouco tempo foram os portugueses  a fazer isto, e hoje voltamos a emigrar em massa para resolvermos a nossa vida.
O Quirguizistão é umas das antigas repúblicas soviéticas mais desconhecidas das pessoas. Maioritariamente constituída por montanhas, que acedem aos Himalaias, sendo o país no mundo que está mais distante do mar, tem nas nascentes das montanhas que desaguam nos dois grandes lagos os seus recursos hídricos e energéticos. 
Foi notícia entre 2005 e 2010 pelas tensões e confrontos entre etnias que acabaram em confrontos armados entre elas, mas atualmente tem sido governado por um governo de unidade nacional que tem garantido a estabilidade política necessária para o país ir avançando

Esta situação, aliada a baixos salários, faz com que o Quirguizistão seja um país de emigrantes, quase todos para a Rússia e para o Cazaquistão, fazendo companhia ao batalhão de emigrantes do Turquemenistão e, principalmente, do Tadjiquistão. Economicamente débil, o país importa quase tudo. Os seus supermercados são uma cópia perfeita dos supermercados russos, desde as bebidas, laticínios, fruta, artigos de limpeza, entre outras coisas, também importam a televisão por cabo que é russa, os bancos são russos, a empresa que comprou as reservas de gás é a russa Gazprom.

No Quirguizistão quase não existem stands automóveis, sendo quase todos os veículos importados da Alemanha, Rússia ou Japão, sendo normal encontrar um Honda ou um Toyota com o dístico de Tóquio no vidro, e também não existe McDonald’s ou Burguer King ou lojas da Zara ou da Mango já que o pouco poder económico das pessoas não torna atrativo a estas cadeias abrirem aqui lojas, sendo a roupa quase toda importada a partir da China e pelo que me apercebi nas lojas quase sempre imitações das marcas originais.

Politicamente o Quirguizistão conseguiu quase o impossível albergando bases aéreas dos Estados Unidos e da Rússia no seu território e devido às suas fronteiras com China, Cazaquistão, Uzbequistão e Tadjiquistão o governo pretende ser um local preferencial para escalas aéreas naquela zona, atraindo assim algum turismo e visitantes ao país. Para reforçar essa vantagem competitiva foram abolidos a necessidade de vistos para quase todas as nacionalidades.  
A sua paisagem é constituída por vales e por montanhas em zonas muito bem delineadas. Ficam na retina as estradas cobertas de neve que me levam por vales quase intermináveis através das antigas rotas da seda e que me levam a montanhas que me fazem lembrar os Alpes Suíços. 
Se o país já é pouco visitado, então nesta altura ainda menos, mas mesmo assim vou encontrando alguns turistas havendo quase um instantâneo sentimento de proximidade com outros turistas, como quando encontrei um fotógrafo no meio de uma aldeia perto de Tokmok que se encontrava ao serviço da National Geographic.

Bishkek, a sua capital, é uma cidade ao bom velho estilo soviético,altamente geométrica, ruas em perpendiculares, largas, com grandes retas e quase não se precisa de mapa para andar na cidade, bastando conhecer alguns pontos cardeais da cidade para nos orientarmos. 
Em muitos momentos fez-me lembrar Minsk na Bielorússia na forma como foi concebida e se encontra planificada. O parlamento e a bandeira nacional são os marcos terrestres marcantes da cidade  e dividem a cidade a meio.  Apesar de parecer afastada de quase tudo, é normal encontrar lojas de conveniências abertas 24 horas por dia, meios de transporte públicos ininterruptos e fica a ideia de que na cidade todos estavam a partir ou a chegar para algum lado. Gostei dos seus restaurantes, dos seus cafés, dos seus bares, das suas lojas. 
O seu trânsito foi uma das experiências mais radicais que tive, já que devido a um engano da empresa de aluguer deram-me um Mercedez S com 300 cavalos de potência, caixa automática, e do tamanho de um elefante para guiar sobre o gelo. Apenas posso dizer que sobrevivi!
Mas o Quirguizistão é um bom balão de ensaio para algumas das ideias salvadoras que um certo grupo de economistas, políticos e banqueiros portugueses tinham para Portugal, senão vejamos:
1) Os seus salários são baixos, o que deveria representar uma vantagem competitiva.
2) A sua economia é extremamente aberta já que quase tudo o que se vende é referente a empresas estrangeiras estando a produção nacional restrita à água mineral e carne.
3) Existe um Estado muito leve, estando todos os serviços entregues a privados, quase não existindo serviços sociais gratuitos, saúde pública,etc.
4) Existem poucas infraestruturas de transportes públicas quer ao nível rodoviário ou de caminhos-de-ferro. O pais apenas tem algumas estradas nacionais e 2 linhas de comboio sendo o principal meio de transporte entre as cidades grandes (Bishkek e Osh) o avião.
5) As suas permissões em termos de entrada de pessoas e bens no país são quase totais, não existindo barreiras para quase nada.
6) A indústria foi quase abandonada, havendo várias fábricas abandonadas ao longo das suas estradas.
7) Não existem muitos diplomados, sendo quase toda a formação técnica.
8) Existem muitos emigrantes, pessoas que saíram das suas “zonas de conforto” e foram ganhar experiência no estrangeiro.

Então por que é que eles não vivem com um nível de vida igual ao da Suiça? Pois, essa é que é uma resposta difícil de dar.

Mas o que mais me impressionou não foi a sua economia ou as suas paisagens mas a sua conduta religiosa.

O Quirguizistão é um país islâmico, mas quase não nos apercebemos disso. Nas suas ruas não vemos véus, abaias, túnicas, barbas, rezas. Vemos senhoras de saltos altos e mini-sais que entram para bares e bebem álcool, vemos grupos de amigas nos restaurantes a brindarem com vinho ao aniversário de uma delas em restaurantes públicos, vemos casais de adolescentes a namorarem descomplexadamente em plena via pública.
 
Depois de o ano passado ter visitado Istambul e ter ficado abismado com a quantidade de véus e de abaias que lá se viam numa cidade considerada como a “Amesterdão” dos Islâmicos, onde quase tudo era permitido, fiquei maravilhado com o Islamismo civilizado do Quirguizistão .

Sou um europeu, acredito na sociedade europeia e nos seus ideais, e não me peçam para aceitar ou compreender que sociedades em que as mulheres tenham de se esconder dos olhos dos homens, o consumo do álcool seja altamente controlado, a condução de carros seja um privilegio atribuído pelo sexo à nascença, a mutilação genital seja um rito de passagem e a morte de uma mulher seja apenas uma questão de lavar a honra do nome da família. 
Sei que essas sociedades existem, sei que muitas mulheres o fazem porque querem, mas não foi com esses ideais que eu cresci nem nos quais acredito nem os quais abraçarei e permitirei que proliferem na nossa sociedade porque os vejo como um retrocesso civilizacional.
Desculpem, mas não tenho o síndrome da “Culpa por ser europeu branco”.

O Quirguizistão ficou para trás, mas fica o meu respeito e as palavras de incentivo a todos para o visitar.

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