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De Moscovo com amor!

“… É Moscovo a verdadeira Rússia, a Rússia que foi e a Rússia que será…”
                                                   In "10 dias que abalaram o mundo", John Reed,  1917

Falar desta cidade é como pertencer a um clube de columbofilia, muitos ouviram falar mas poucos são os que a conhecem. Adoro-a, sou um apaixonado por ela, foi a minha 3ª visita e sei que virei mais vezes.
A cidade vive, tal como o país, numa realidade própria, numa dinâmica própria, num conjunto de ritos e locais próprios e em muitas linguagens que nos parecem erráticas e até desfasadas do tempo. Aqui não se nega a história nem se refaz o passado.
Para desgraça de Zita Seabra que apelidou esta cidade de “aldeia” numa reportagem do Expresso, os símbolos soviéticos cá estão para todos os verem. Desde algumas das carruagens do metro que ainda ostentam a foice e o martelo nas portas, passando pelas estações de metro em si que continuam com as imagens de Lenine, Marx e Estaline em algumas das paredes e a exaltação da vitória sobre a Alemanha na 2ª Guerra Mundial, ou Guerra Patriótica como se diz por estas paragens.  Nos principais (e magníficos) parques da cidade que hoje vão sendo recuperados lá continua a arquitetura neoclássica usual  no período estalinista, com os seus símbolos e com as suas enunciações.  
A Rússia de hoje não é a União Soviética, mas a alma de ambas é igual. Ao contrário de países como Polónia, República Checa, Letónia, entre outros, aqui não existe a necessidade de pertencer à Europa, de ser o “bom aluno” da Alemanha, de ser mais europeu que os europeus e de ser bem recebido em Bruxelas.  Aqui olha-se para a União Europeia como um potencial parceiro, um igual e não um supervisor e não se busca na Europa uma validação da sua própria existência. 
Falando com os moscovitas da minha idade percebo que esta geração perdeu a vergonha e os fantasmas da geração que cresceu com Yeltsin, os “dias da vergonha”, que via na ocidentalização da sociedade russa um imperativo e um sinal de modernidade. Tal como Putin disse no discurso à nação, Bruxelas e Berlim estão habituadas a falar para países que perderam à muito a noção de soberania nacional e isso na Rússia de hoje é impensável. Pelas prateleiras do supermercado se percebe que as sanções alimentares tiveram aplicação mas não consequências. As frutas continuam a chegar, mas agora do Brasil e de África, os produtos que antes eram importados foram substituídos pelos nacionais.  Algo me diz que neste campo perderam mais os europeus do que os russos.
Mas não só de antiguidades vive a cidade. O centro de negócios de Moscovo alberga 7 dos 10 maiores prédios da Europa, incluindo os 3 maiores, sendo um novo marco arquitetónico na cidade. A nova Moscovo continua a florescer, numa das maiores expansões de área urbana em curso, que vai acrescentar cerca de 1000km2 à cidade, ficando no final com mais de 60% de área do que Londres e a 4ª circular vai ser construída com uma distância de 400km de asfalto. Se alguns acham que a Avenida da Liberdade em Lisboa é um centro do mal capitalista o que dizer das largas ruas de Moscovo? O GUM e o TSUM são puros concentrados de Milão, Paris, Londres ou Nova Iorque. Todas as marcas estão lá, pensemos numa marca de luxo e ela está lá.
Pelo que vemos nas ruas diria que aqui não será a final do Mundial de Futebol de 2018 mas esta é uma das mais vincadas caraterísticas da cidade. Dos 15 milhões de vistos turísticos emitidos anualmente para Moscovo apenas 300 mil são para verdadeiros turistas, o resto é para pessoas em viagens de negócios. 
Em comparação com as cidades portuguesas a indústria do turismo é quase inexistente, algumas placas indicam as direções para os principais monumentos, o metro não está em alfabeto latino, os mapas com as cidades são reduzidos, não existem tuk-tuk's na cidade, nem se vendem excursões panorâmicas para a cidade na rua ou nos hotéis, não existem restaurantes para turistas, nem pontos de informação turísticas, por isso não é surpreendente que ela fique sempre em último nos rankings de preferências pelos turistas estrangeiros. Mas o que isso importa? Ou se gosta ou não se gosta. Aqui não existe turismo de massas, não existem grupos de jovens trazidos pelas companhias aéreas low-cost ou pelos comboios nem casais estrangeiros em luas de mel ou grupo de amigos em fim-de-semana prolongado. 
Esta cidade grita cultura. Do teatro até ao ballet as opções são múltiplas, desde o conhecido Bolshoi até aos teatros experimentais de tudo podemos encontrar. Não só do Teatro Bolshoi vive a cidade, com os seus bilhetes a começarem nos 160€ para uma ópera, e do Conservatório Tchaikovsky para os espetáculos de música clássica. Apesar da internet ser grátis em quase toda a parte, incluindo nas carruagens de metro e aeroportos, encontramos  diversas bancas de venda de livros pelas suas ruas e se necessário algo mais específico é sempre possível consultar a Biblioteca Nacional Russa.
Apesar da Rússia não aparecer nos Guias Michelin por razões que eu desconheço e para a qual não consigo encontrar explicação, os restaurantes da cidade conseguem ombrear com qualquer outra capital europeia. Pela minha experiência pessoal o Kafe Pushkin é o mais completo de todos, não é o mais caro nem o mais experimentalista em termos de pratos, mas o facto de ser o mais reconhecido e afamado restaurante de toda a Rússia acho que diz tudo. Em termos de bares a cidade também não deixa ficar ninguém mal. Tenho que obrigatoriamente referir o meu favorito, o City Space Bar, que no fica no alto da torre do SwissHotel a cerca de 220 metros do chão e têm uma panorâmica de 360º sobre a cidade.
Chamem-me de mulherengo, tarado, babado, rebarbado pelo que vou escrever mas a maior atração de Moscovo é as suas mulheres.
Os Beatles cantavam no seu tema “Back in the USSR” que as raparigas de Moscovo os faziam cantar e gritar e como eu os entendo. As ruas são uma autêntica passagem de modelos ao ar livre, as longas escadas do metro são autênticas fornadas de beleza , com senhoras de uma elegância a toda a prova ou de uma beleza aterradora a passarem por mim. É impossível resistir ao desfile de casacos de vison nas ruas cobertas de neve, é impossível resistir ao som dos saltos altos agulha que percorrem as ruas, os vestidos justos e minissaias que vejo quando estão -10ºC, aos penteados perfeitos desde as tradicionais tranças aos mais modernos, a maquilhagem cuidada, o facto de a maioria saber falar 3 ou 4 línguas, a cultura elevada, a sua independência calma com que levam a vida. Um simples jantar de amigos faz parecer alguns casamentos banais e se olharem para as agentes da polícia verão indumentárias que mais parecem saídas de uma festa.  
Aqui existe um culto de feminilidade para o qual já não estamos habituados, para o qual os homens do resto da Europa foram sendo doutrinados a desvalorizar e a considerar de superficial, sair de Moscovo e chegar a uma outra capital da Europa é como passar da Moda Milão para a normalidade, não trazer flores para um encontro com uma russa é o equivalente a um insulto, não elogiar a nossa companhia de jantar é o mesmo que não ter aparecido.

Um dia alguém me disse que nada era melhor do que ser jovem e estar apaixonado em Moscovo durante o Inverno e hoje percebo porquê.

Quando me encaminho para o aeroporto não existe nenhum sentimento de saudade ao ver a cidade ao longe, sei que mais tarde ou mais cedo voltarei...

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